Cinema

Saraband

Saraband
Título original: Saraband
Ano: 2003
País: Alemanha, Áustria, Dinamarca, Finlândia, Itália, Suécia
Duração: 112 min.
Gênero: Drama
Diretor: Ingmar Bergman (Crise, Chove sobre Nosso Amor, Um Barco para a Índia)
Trilha Sonora: Johann Sebastian Bach, Johannes Brahms, Anton Bruckner
Elenco: Liv Ullmann, Erland Josephson, Börje Ahlstedt, Julia Dufvenius, Gunnel Fred
Distribuidora do DVD: Sony Pictures Classics
Avaliação: 10

O próprio Ingmar Bergman declarou aos quatro ventos que este filme, produzido originalmente para a TV, consiste em seu último trabalho como diretor. Fenomenal continuação do também fenomenal Cenas de um Casamento, produzido em 1973, Saraband reúne dois dos principais atores bergmanianos para uma ode ao estilo único e inimitável do cineasta, que do alto de seus 84 anos demonstra ainda possuir um olhar mágico sobre as dificuldades inerentes aos relacionamentos humanos. Se o filme já soa fantástico para quem não assistiu à primeira parte, uma mini-série televisiva de quase cinco horas de duração, aqueles que o assistirem sabendo da história pregressa de seus personagens principais se sentirão confortavelmente imersos em mais uma obra-prima, do tipo que se encontra em irreversível processo de extinção no cinema moderno.

Retomando o drama de 30 anos atrás, Marianne (Liv Ullmann) decide de uma hora para outra visitar o ex-marido Johann (Erland Josephson) em seu retiro no campo, para onde ele se recolheu após receber uma polpuda herança que o afastou definitivamente do meio acadêmico. Ela reencontra um homem ainda mais amargo que antes, mas que diante dela não consegue esconder seus sentimentos mais profundos. Marianne se vê também envolvida no conflito de ódio e angústia entre Johann e seu filho mais velho de um casamento anterior Henrik (Börje Ahlstedt), que após a morte da esposa desenvolve uma relação obsessivamente protetora em relação à filha adolescente Karin (Julia Dufvenius), a quem ele deseja transformar em música clássica profissional por meio de sua própria tutela.

Novamente com elenco reduzido e ênfase total nas nuances psicológicas de seus personagens, Bergman brinda o espectador com uma radiografia enriquecida de quatro pessoas com destinos intimamente entrelaçados. O ponto de junção é Marianne, que na velhice conquistou uma serenidade que une a sabedoria, a compreensão e a placidez necessárias para enfrentar um turbilhão de emoções, cuja intensidade não diminuiu em nada somente pelo fato dela estar no fim da vida. E, mesmo assim, Marianne é uma das duas únicas personagens que demonstra ter aprendido algo ao final da sua jornada, talvez o ingrediente que faltava para afastar definitivamente o analfabetismo emocional que sempre marcou sua relação com Johann. Sim, Bergman é enfático ao demonstrar que todos ainda têm algo a aprender, por mais versados que estejam em seu desenvolvimento psicológico-social.

A palavra "saraband", no sentido do filme, parece se relacionar única e exclusivamente a uma particularidade estrutural da música clássica, presença marcante na trilha sonora do filme e nas vidas dos novos personagens introduzidos na história. Algo como uma metáfora para uma canção ou uma dança final, que é exatamente do que se trata a película. Assim como em Morangos Silvestres (1957) ou Sonata de Outono (1978), outros filmes de Bergman que abordam a velhice, Saraband traz uma visão distinta de uma aprendizagem pseudo-retórica e de como seus personagens lutam para se reconciliar (ou não) com os fantasmas de seus passados. O filme é denso em interpretações de cunho pessoal que dão margem a julgamento de caráter, mas retrata os seres humanos como aquilo que são: imperfeitos, por vezes incomunicáveis e incompreensíveis.

Uma das características do filme que exemplificam o domínio do diretor/roteirista em seu ofício é o modo como ele lida com as insinuações de incesto entre pai e filha. No que seria o pesadelo de qualquer outro cineasta envolvido num drama de tamanha magnitude, Bergman nem se dá ao trabalho de inserir subtextos ou de moldar explicações com respeito ao tema. E ninguém se sente ofendido ou sequer motivado a questionar o contexto da situação. Além disso, provavelmente, poucos filmes dão tamanha importância e se sustentam com tanta desenvoltura sobre uma personagem que nem mesmo aparece em cena (Anna, a esposa de Henrik). Tudo sobre ela é inspirado na esposa falecida do diretor, a quem ele respeitosamente dedica o filme.

O DVD vem com um making-of caprichado de 45 minutos, que dá uma boa palhinha do domínio que Ingmar Bergman demonstra em seus sets, além dos trailers de Por Conta do Destino, Impulsividade e Uma Vida Nova.

Visto em DVD em 31-DEZ-2006, Domingo - Texto postado por Kollision em 6-JAN-2007