Cinema

Morangos Silvestres

Morangos Silvestres
Título original: Smulltronstället
Ano: 1957
País: Suécia
Duração: 91 min.
Gênero: Drama
Diretor: Ingmar Bergman (No Limiar da Vida, O Rosto, A Fonte da Donzela)
Trilha Sonora: Erik Nordgren (Sorrisos de uma Noite de Amor)
Elenco: Victor Sjöström, Bibi Andersson, Ingrid Thulin, Gunnar Björnstrand, Jullan Kindahl, Folke Sundquist, Björn Bjelfvenstam, Naima Wifstrand, Gunnel Broström, Gertrud Fridh, Sif Ruud, Gunnar Sjöberg, Max von Sydow, Åke Fridell, Yngve Nordwall, Per Sjöstrand
Distribuidora do DVD: Versátil
Avaliação: 10

A natureza reflexiva de Morangos Silvestres, uma das obras mais proeminentes da filmografia do diretor sueco Ingmar Bergman, sustenta uma infinidade de nuances que continuam resistindo ao tempo de forma inquestionável. Além de qualquer expectativa, a história do senhor de idade que revive as desilusões de sua juventude possui uma natureza íntima que atinge a platéia como uma pluma, mas é capaz de trazer reflexões que pesam tanto quanto nossa consciência é capaz de suportar.

O início do filme é um dos melhores de todos os tempos. O personagem principal, o professor de medicina Isak Borg (Victor Sjöström), apresenta-se para a platéia de forma direta, simpática e quase imperceptivelmente consciente da amargura que carrega dentro de si. A idade e a experiência são suficientes para disfarçar sua indiferença sob uma tênue cortina de jovialidade, enquanto ele revela que em breve deve viajar a outra cidade para receber um prêmio por sua extensa carreira acadêmica. Após os créditos de abertura, um horripilante pesadelo faz com que ele desista de ir de avião. Deixando para trás a governanta e recebendo a companhia da nora Marianne (Ingrid Thulin), com a qual ele nunca se deu muito bem, ele parte com seu carro através do campo para chegar ao seu destino um pouco antes da cerimônia. Durante o percurso, conversas reveladoras, encontros marcantes e mais pesadelos enigmáticos farão com que ele passe a olhar para si mesmo, e para os outros, com uma perspectiva diferente de antes.

No fim de sua carreira, eis que o cineasta Victor Sjöström, cujo período mais prolífico abrangera a era do cinema mudo, humildemente se coloca sob as lentes de outro diretor e entrega uma das performances mais tocantes da história do cinema. Mal sabe o espectador, quando o filme começa, que debaixo do semblante sereno do velho professor esconde-se uma alma torturada por amores passados, cuja intensidade é revelada aos poucos à medida que a viagem progride. O grande amor de sua juventude, a bela Sara (Bibi Andersson), renasce sob a forma de uma adolescente homônima que ele encontra pelo caminho, tão vivaz e arrebatadora quanto ele pode se recordar de sua amada, e isso torna suas revelações ainda mais dolorosas para a platéia. Para si, tudo o que ele pode fazer é recordar-se dos bons e maus momentos representados pelos morangos silvestres que permeavam os arredores da casa de sua família, numa simples mas elegante metáfora para as diferentes emoções experimentadas ao longo de sua vida.

As camadas dramáticas do filme são muitas, e infiltrar-se em cada uma delas é uma tarefa recompensadora. Bergman acertadamente mantém Sjöström em cena mesmo quando este se coloca no próprio passado. A vagarosa sensação de despertar entra em contraste com a presença dos três jovens que se juntam à viagem, amostra deveras otimista de uma juventude que hoje não se vê mais em lugar algum. Tudo o que Isak pode fazer é contemplar com esperança amarga o início de mais um ciclo de relacionamentos, tão esmagadoramente similar à sua própria história. E, ao mesmo tempo, encontrar o ponto de ruptura da bolha familiar que o separa de sua nora, uma bela moça de convicções tão sólidas quanto as suas. A distância do filho mostra-se virtualmente instransponível, enquanto ele descobre que todos os dissabores de um passado devotado quase exclusivamente à ciência não foram suficientes para dirimir seu contemplativo otimismo. O pesadelo em que ele vê sua cerimônia de premiação tornar-se uma sabatina de faculdade nas mãos do estranho que encontrara pelo caminho somatiza seus medos de forma sublime, com uma proximidade que assusta quem não está acostumado a ver um diretor transpor pesadelos para a tela de forma tão convincente.

Bergman concebeu em Morangos Silvestres simplesmente um dos melhores retratos da alma já filmados. O que está nas entrelinhas nas belas cenas fotografadas em preto-e-branco parece não ter fim, e discernir o doce do amargo em nossas vidas é um desafio constante que o filme reforça com habilidade incomum.

Os extras do DVD lançado pela Versátil são poucos. Trazem apenas galerias de fotos de várias obras do diretor e sua biografia, além das biografias de Sjöström, Bibi Andersson e Ingrid Thulin.

Texto postado por Kollision em 22/Fevereiro/2005