Cinema

O Grande Truque

O Grande Truque
Título original: The Prestige
Ano: 2006
País: Estados Unidos, Inglaterra
Duração: 128 min.
Gênero: Suspense
Diretor: Christopher Nolan (Batman - O Cavaleiro das Trevas, A Origem)
Trilha Sonora: David Julyan (Os Fora-da-Lei, WΔZ - Matemática da Morte, Marca da Vingança)
Elenco: Hugh Jackman, Christian Bale, Michael Caine, Rebecca Hall, Scarlett Johansson, David Bowie, Andy Serkis, Piper Perabo, Samantha Mahurin, Daniel Davis, Jim Piddock, Christopher Neame, Mark Ryan, Roger Rees
Avaliação: 8

Colocar dois atores que, neste início de milênio e de século, encarnaram grandes ícones de editoras diferentes de histórias em quadrinhos, é somente uma das facetas de rivalidade que transparecem em O Grande Truque. Não, não se trata de Wolverine × Batman. Mas é quase como se fosse, dada a carga de birra que um tem com o outro na história de dois mágicos que, na virada do século XIX para o século XX, competem entre si de forma obsessiva. Christopher Nolan, que já trabalhara com Christian Bale em Batman Begins, se recupera um pouco do superestimado pastiche que foi o filme do homem-morcego, com um conto estiloso que passa perto, muito perto de ser virtualmente perfeito.

Numa época em que o progresso engatinhava em praticamente todas as áreas do conhecimento humano, dois aprendizes de mágicos trabalham como auxiliares do grande mestre conhecido por Cutter (Michael Caine). Angier (Hugh Jackman) é jovial e bastante efusivo no palco, enquanto Borden (Christian Bale) compensa a falta de tato com ousadia e coragem. Uma tragédia ocorrida em um dos números do grupo acaba por transformá-los em inimigos jurados, numa rivalidade que os persegue mesmo após eles trilharem caminhos separados e Cutter passar a proporcionar suporte para os números de Angier. Quando Borden aparece com um número impossível de ser imitado, a obsessão de Angier em superar o rival leva-o a tomar medidas drásticas, como enviar sua assistente de palco (Scarlett Johansson) para espionar o inimigo e apelar para a ajuda do engenheiro sérvio radicado nos Estados Unidos Nikola Tesla (David Bowie).

A narrativa entrecortada e pontuada por flashbacks narrados pelos relatos contidos nos diários dos mágicos vai, aos poucos, dando pistas ao espectador de como a relação de ódio entre eles chega ao ponto mostrado na abertura do filme, em que um é aparentemente assassinado pelo outro. Muito bem desenvolvida é a rivalidade progressiva e doentia que norteia suas vidas como artistas, com cada um deles dando o troco logo após sofrer uma investida traiçoeira. Se repararmos bem, nem mesmo é possível perceber que em algum momento chegou a haver amizade entre eles. A rivalidade sempre esteve lá, mas bastou a tragédia para convertê-la numa briga vitalícia pelos louros da fama.

Infelizmente, a maior fonte de originalidade da história acaba sendo seu ponto mais fraco. Para um conto fincado na realidade e na lógica, no universo de assombrosas ilusões em que vivem Angier e Borden, toda a cadeia de eventos que se segue ao desenlace da subtrama de Nikola Tesla põe tudo a perder. Apesar da reviravolta final, é como se o filme traísse a si mesmo. Além disso, a tal reviravolta nem é assim tão difícil de ser antecipada, basta usar a lógica. Outro ponto em que o filme se contradiz é quando os eventos mostrados em seu início são revividos no clímax, pois fica claro que o trabalho de edição dá um conjunto de cartas à platéia para depois maquiá-las conforme a necessidade do roteiro. Uma verdadeira pena.

Pelo menos a execução mostra-se bem feita. Antipático como sempre, Christian Bale proporciona uma boa dose de polêmica em torno de seu personagem. Hugh Jackman também está ótimo, mas a personalidade de Angier é mais transparente, particularmente devido à obsessão que o domina em determinado ponto. A platéia se vê dividida e tentada a julgá-los, sendo que nenhum deles é completamente isento de culpa pelas conseqüências dos atos de ambos. Também interessante é o paralelo que é feito sobre a relação entre os mágicos com a competição científica que realmente existiu entre Thomas Edison (que não aparece no filme) e o excêntrico Tesla. Descontadas, obviamente, as liberdades fictícias tomadas com respeito ao trabalho deste último.

A melhor cena do filme, que se não fosse por essas tais liberdades tenderia a ser excepcional, é protagonizada por Hugh Jackman. Ao desaparecer pelo assoalho do palco durante o clímax de uma de suas apresentações, Angier curva-se enquanto ouve os aplausos de uma platéia atônita serem dirigidos a outra pessoa. Completamente só, incógnito em sua glória, absorto num transe momentâneo que, infelizmente, não é suficiente para aplacar sua obsessão. Ela vai longe demais, assim como o desejo do filme em surpreender o espectador com algo fantástico.

Visto no cinema em 15-NOV, Quarta-feira, sala Cinemais 1 do Shopping 3 Américas - Texto postado por Kollision em 21-NOV-2006